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23 setembro 2007

Travessia (parte 1)

Naquela noite, atravessei o limite tênue que nos separava. Era etéreo, brando, um quase nada de fumaça branca que não me deixava divisar teu rosto. Mesmo assim fui lá. Não sei como: se era o forte desejo de te encontrar, ou quem sabe ainda apenas atraída pelo teu puro desejo de me ver. Já não partilhávamos as mesmas possibilidades finitas; aquelas que levam tudo ao fim. Estávamos em planos diferentes, embora guardando na alma o que restou da incapacidade de tecer planos para burlar o ponto final. Corpos de éter, intangíveis. Caminhamos lado a lado naquelas ruas brancas, de pedrinhas soltas em traçados de ruas ainda por existir. Nossos pés não sentiam; nossas mãos não se davam. Apenas seguíamos em um silêncio manso, como se ali não existisse mesmo sequer a voz. Mas o que dizíamos estava lá, como um texto longo estendido diante de nós. Não líamos, porque sabíamos de cor. Você vestia túnica e calças brancas e estava descalço – pés longos com veias fortes descendo em direção aos dedos retos, delicadamente acomodados uns aos outros. Você estava calmo, como quem sabe para onde vai; eu seguia leve, suavemente, como se houvera deixado meu coração humano do lado de lá... (continua na próxima semana)

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