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06 fevereiro 2010

A ilusão da imortalidade — mais um golpe rude

Como todos sabem, jamais uso este espaço para dar más notícias. Uma notícia ruim é aquela que ocorre por força das circunstâncias, contrariando o bom senso e, às vezes, até mesmo a honradez. Não vou me estender muito, para não poluir o Sobretudo com a tristeza dos fatos evitáveis, mas que se impõem por descuido da realidade. Faço isto apenas como registro de um protesto que não chegou a tempo. A Associação Brasileira de Imprensa está novamente sob o risco dos oportunismos dos quais pretendíamos livrá-la como aquele movimento chamado "A ABI que nós queremos". Entenda-se pelo "nós", os jornalistas.  Naquele abril de 2004, acreditávamos nós, os jornalistas, termos afastado de vez a vitaliciedade de seus presidentes e conselheiros, trazendo a Casa de volta à tradição de respeito aos princípios  republicanos e democráticos. Não foi preciso muito tempo para ver que  alguns de nós acalentava uma ilusão romântica. Cumprimos nosso papel até o último segundo do mandato que nos foi confiado; outros companheiros deixaram-se abater pelo personalismo e autoritarismo do presidente que elegemos e desertaram. A reforma que promovemos no Estatuto da ABI , para garantir a integridade da instituição considerada um dos pilares mais representativos e respeitados da vida democrática do país,  dava-nos o alento de saber que outras eleições viriam para corrigir o engano, afastando do comando da entidade alguém que , por duas vezes, teria a oportunidade de dar sua contribuição à Casa, mas que, lamentavelmente, optou por fazê-lo da forma mais rude e autoritária jamais vista na história da ABI. Estávamos mais uma vez enganados. No último dia 2, um golpe traz de volta o fantasma moribundo e estropiado do continuísmo. Um golpe, porque forjado na calada de um conselho subalterno. Não houve uma convocatória para a Assembleia-Geral, o que deveria ocorrer de forma ampla, explicitando a justificativa para o que se pretendia "reformar" no estatuto. Esta não era a ABI que nós queríamos. O que vai acontecer é o que a história já mostrou: os jornalistas se afastarão, como já havia acontecido mesmo antes que Maurício Azêdo assumisse o segundo mandato em uma eleição marcada pela ausência, ao contrário do que caracterizou a primeira. A Associação Brasileira de Imprensa, com este golpe consumado no dia 2 de fevereiro de 2010, transforma-se em um mausoléo da vaidade e do autoritarismo. Sim, um mausoléo, que tem-se  prestado apenas ao autoelogio, à doentia reverência à memória dos mortos, e à legitimação da opinião dos grandes jornais, quando usam as declarações do seu representante, porta-voz da entidade, para impingir suas vontades ao poder público. Leiam os fatos,  nesta comunicação do jornalista Lima de Amorim:

Meus amigos e amigas:   
Comunico que renunciei ao posto de conselheiro suplente da ABI, em protesto contra a revogação do artigo 44 do Estatuto Social, que vedava a eleição do presidente da entidade e de seus principais auxiliares para mais de um mandato.  Discordei também da forma como a questão foi previamente encaminhada - restrita ao colegiado e  com empenho direto da presidência e da secretaria geral, partes interessadas. A história de vários povos e instituições demonstra como são nocivas as ditaduras ou a reeleição ad aeternum de dirigentes com mandatos eletivos. São duas faces de uma mesma moeda.  Sem o artigo 44 do Estatuto Social, revogado por maioria de votos na última assembleia-geral extraordinária do Conselho Deliberativo, a ABI, desde já, corre o risco de brevemente ser comandada por presidentes personalistas, manipuladores, continuístas e autoritários.  
 Segue abaixo a mensagem que enviei ao presidente Maurício Azedo sobre minha renúncia
Obrigado pela atenção e abraço
Lima de Amorim 

A CARTA

Rio de Janeiro, 3 de fevereiro de 2010
Ilmo. Sr. Maurício Azedo 
Presidente da Associação Brasileira de Imprensa   
Nesta

Caro Maurício: Comunico, a partir de hoje, minha renúncia como membro suplente do Conselho Deliberativo desta entidade, por discordar da decisão aprovada na assembleia-geral extraordinária deste colegiado, no dia 2/2/2010, que revogou o artigo 44 do Estatuto Social da ABI. Reiterando o que já disse de viva voz durante a Assembleia, discordo frontalmente da supressão do referido artigo, por considerar que a possibilidade de reeleição ad aeternum dos dirigentes pode comprometer o futuro da instituição, além de ferir os princípios democráticos pelos quais a ABI sempre lutou. Respeito as opiniões contrárias, mas entendo que o propósito original do artigo 44, limitando a reeleição para apenas um mandato, era importante. Além de estimular a renovação de quadros representativos, esse dispositivo era uma barreira contra a eventual ambição de dirigentes personalistas, manipuladores, continuístas e autoritários. A reeleição de dirigentes executivos por número indefinido de mandatos costuma causar graves danos, como a história de muitos povos e instituições já demonstrou, em várias épocas e contextos. Solicito que meu pleito seja comunicado ao conjunto do Conselho Deliberativo, bem como as razões da presente renúncia. Cordialmente,
Lima de Amorim

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