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26 janeiro 2010

Coluna do Otelo: saudades do Henfil


Otelo é um coelho sabido que adora livros, mas não gosta de jornais. Para que não pensem que esta posição faz dele um antidemocrata, ele lê uma noticiazinha aqui, uma coluninha ali, mas sempre de jornais velhos. Notícia quente, para ele, pode queimar os neurônios da razão e da independência crítica. Otelo também não escreve; ele só pensa. Não é por covardia, mas por instinto de sobrevivência. É que ele considera sempre todos os riscos, do alto de suas orelhonas de coelho. Sua intuição intelectual diz que o mundo é dividido entre petiscos da cadeia alimentar e predadores. Ele acha que as duas posições são desumanas e não sabe qual delas é a pior. Por isso, evita o desconforto de se expor e vir a ser presa fácil de predadores vorazes e sem escrúpulos — o “sem escrúpulos” é por conta da assistente dele, que não pensa, somente escreve, mas fica indignada com o que lê.


Otelo vem de uma estirpe nobre, embora com ela não guarde parentesco algum. Coisas deste mundo animal, explica ele. Era ainda criança, quando se meteu com um grupo denominado Alto da Caatinga. Era uma época difícil, onde a porrada comia solta em quem pensasse em voz alta — escrever nos jornais então, nem pensar! Mas a liberdade era concedida aos animais, o que, de certa forma, preocupava Otelo quanto à sua reputação futura. Achava que a turma do porrete não incomodava seus iguais. Otelo morria de pavor de ser considerado um igual; igual àquela turma de predadores, torturadores, castradores... vixi! Por isto resolveu não falar, nem escrever. Hoje, em tempos de paz na Zona Sul do Sul Maravilha, com os traficantes se mudando com suas malas, cuias, sacolés, trouxinhas e armamento pesado para os subúrbios e baixada fluminense, lá onde o povo só não fala porque não tem voz, Otelo resolveu arriscar, embora ainda o preocupe as interferências da assistente-digitadora, que pode eventualmente metê-lo em alguma encrenca.
Pois bem: é de lá que vem Otelo. Aprendeu a devorar livros com o Bode Orelana, intelectual que acreditava no proletariado e lutava pela democratização das instituições sociais e políticas. Era o ídolo de Otelo, apesar de suas contradições! Mesmo quando a coisa apertava e Orelana medrava, cooperando com “as formas conservadoras de organização sociopolítica”, ele acabava encarnando uma espécie de autocrítica e esculachava os intelectuais da época, que se dividiam entre o vigor revolucionário, a covardia e a neurose. Otelo não entendia as contradições de Orelana e achava que eram apenas disfarce, para enganar os predadores da liberdade e da cultura. Nesta época, Otelo consumia apenas capim e, vez em quando, uma cenoura. Mas veio de lá sua sabidez.

Ao relembrar o passado, do alto de suas orelhas, Otelo se comoveu e resolveu usar o primeiro crédito da liberdade de imprensa que acha que terá. Ele entende de liberdade de imprensa como poucos, porque aprendeu a duras penas o que isso não é; sabe dos riscos e acha que jornalistas com liberdade de imprensa acabam todos como acabou Frei Caneca: no calabouço, escrevendo enciclopédias. É nesta hora que ele lembra das estratégias de fuga do Bode Orelana: Calma, gente! Não me confundam; eu sou apenas um pobre e pacato intelectual; não sou jornalista!



Mesmo assim, com este rasgo de pavor a predadores que às vezes o acovarda, Otelo resolveu fazer desta primeira postagem de sua coluna uma homenagem à turma do cangaço Alto da Caatinga, e seu imortal criador, Henfil.
Otelo Coelho
(interferência indevida 1: com auxílio luxuoso da assistente, uma fofa..)

Interferência indevida 2:  no quadrinho, entre Orelana e os cactos, aparecem umas orelhinhas e uns olhões assustados que a história não registra, mas  garanto que era Otelo...rsrsrs.




2 comentários:

Anônimo disse...

"Gostei da apresentação do Otelo !!!
Acho que ele tem muito futuro.
Apesar de assustadiço, como todos de sua espécie, um libertário vibra na alma desse leporídeo do gênero oryctagulos.
Torço para que a assistente-digitadora seja sempre fiel ao expressar as reflexões do Otelo.
Parabéns a ambos !!!!"
Bjs,
Roberto

Anônimo disse...

Esperto esse Otelo!
Bjs,
Tati