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23 janeiro 2010

Assunto de interesse público!


O jornalista Alberto Dines, que se distingue no Jornalismo por décadas de trabalho dedicado à observação da imprensa, levantou a fúria dos mares e das marés contra a sua mais contundente e pertinente crítica, publicada no dia 19 deste mês, no Observatório da Imprensa.  Publico a íntegra para que vocês leiam com atenção e releiam, se necessário. O assunto é de real interesse público, porque a realidade que compartilhamos é, em grande parte, pautada e agendada pela imprensa. No artigo, Dines diz que a "instituição criada para impedir unanimidades, o poder instituído para promover o pluralismo, o bastião do Estado Democrático de Direito, agora se sobressalta e entra em transe quando pressente outros holofotes tentando focalizá-la". E enumera, entre vários diagnósticos, a causa mais crônica — a hipocrisia. Dines esquece apenas de relacionar o despreparo de muitos jornalistas, que seguem docilmente uma ordem unida que jamais ousaram questionar; o que se torna ainda mais  preocupante quando regado fortemente com os temperos graves da vaidade e da arrogância. Leiam o artigo e entrem no debate. Nem sempre concordei com o Dines, mas desta vez é inevitável o aplauso, principalmente ao seu destemor.

OS ESPELHOS, O HORROR
MÍDIA À BEIRA DE UM ATAQUE DE NERVOS
Por Alberto Dines em 19/1/2010

A mídia brasileira está sendo vítima de um surto da síndrome do pânico: está com horror ao espelho. Berra e esperneia quando alguém menciona a organização de conferências ou debates públicos sobre meios de comunicação, imprensa, jornalismo. Apavora-se ao menor sinal de controvérsias a seu respeito, por mais úteis ou inócuas que sejam. Parece ter esquecido que o direito de ser informado é um dos direitos inalienáveis do cidadão contemporâneo. O Estado Democrático de Direito garante a liberdade de expressão e o acesso universal à informação.
A instituição criada para impedir unanimidades, o poder instituído para promover o pluralismo, o bastião do Estado Democrático de Direito, agora se sobressalta e entra em transe quando pressente outros holofotes tentando focalizá-lo.
Diagnóstico 1: modéstia. Diagnóstico 2: narcisismo. Diagnóstico 3: onipotência. Diagnóstico 4: hipocrisia.
Nada impositivo

O primeiro episódio ocorreu no início de dezembro, antes da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom): o grosso das corporações empresariais de mídia desistiu de participar dos debates, compareceram apenas duas. As únicas que ficaram bem na fita. A Confecom chegou ao fim, produziu um calhamaço de propostas, a maioria inócuas, e os ausentes nem puderam cantar vitória porque se escafederam antes das luzes se apagarem (ver, neste OI, "Lições de manipulação" e "O misterioso e suspeito desaparecimento do Conselho de Comunicação Social").
Menos de um mês depois, final de dezembro, novo faniquito: o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH). A mídia inicialmente parecia sensível aos apelos das vítimas, parentes ou entidades em defesa dos direitos humanos para reabrir as investigações sobre a repressão política durante o regime militar. Então aparece a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e começa a urrar como aquelas senhoras que pressentem uma barata no quarto escuro.
A mídia individualmente e a ANJ como corporação tiveram meses para estudar o 3º PNDH, esta é a sua função em nome da sociedade. Só se lembraram de examinar o documento quando o debate sobre tortura já estava aceso e alguém sugeriu abrandar o confronto e mudar o enfoque: que tal discutir a mídia? Então a mídia deu marcha a ré e entrou numa briga que não era sua porque no programa figurava a sugestão para a criação de um ranking das empresas de mídia (sobretudo mídia eletrônica) que respeitam os direitos do seu público e não lhes impinge baixarias. Convém lembrar que o PNDH é um programa, coleção de propostas, nada tem de mandatório ou impositivo.
O ombudsman da Folha de S.Paulo, Carlos Eduardo Lins da Silva, revoltou-se, caiu de pau no seu jornal (ver "Ombudsman critica omissão do jornal"). Acontece que a Folha, por rodízio, tornou-se a mais estridente defensora das posições da ANJ porque a sua presidente é uma das superintendentes do jornal.
Símbolos religiosos
É antiga a idéia de incluir a cruzada contra a baixaria televisiva nas iniciativas em defesa dos direitos humanos. Já em 1999, no primeiro mandato de FHC, o então Secretário Nacional de Direitos Humanos, José Gregori, tentou enquadrar os canais de TV que recusavam a classificação da programação por faixa etária (ver, neste Observatório, "Os fanáticos ensandecidos"). 
A CNBB, campeã da luta contra a tortura ainda nos anos de chumbo, esqueceu o seu glorioso passado e pôs-se a berrar contra outras sugestões do 3º PNDH: liberar as restrições contra o aborto, permitir a união civil de pessoas do mesmo sexo e proibir a utilização de símbolos religiosos em instalações públicas. Mesmo sabendo que nada disso poderia ser implementado sem os devidos trâmites legislativos, a CNBB e a ANJ insistiram na histeria. E ficaram todos muito felizes quando o salomônico presidente Lula mandou copidescar o texto do PNDH por ele assinado. Não se fala mais em direitos humanos nos próximos doze meses. Engano: a luta pelos direitos humanos não tem dono, está definitivamente incluída na pauta dos debates nacionais. Tortura não é coisa do passado, é do presente.  É melhor liberar o aborto do que encontrar diariamente nos lixões recém-nascidos abandonados por mães solteiras. A exibição de símbolos religiosos em repartições do Estado afronta aqueles que acreditam que o Estado é garantidor da isonomia cidadã, da democracia e da tolerância.
Causas e terapias

A síndrome do pânico voltou a manifestar-se intensamente no último fim de semana – e não por causa da catástrofe do Haiti –, quando o Estadão descobriu que em março começará uma nova conferência nacional, desta vez para discutir cultura. Deus nos acuda, horror. Cultura? Chamem o Goering! Na pauta menciona-se a necessidade de promover a regionalização da produção televisiva e aparece a expressão maldita "monopólio de comunicação".
Tremendo de medo, lívida, cheirando seus sais, Madame Mídia convocou o seu zorro preferido: o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ, ex-ministro das Comunicações do atual governo, o mesmo que pediu a impugnação integral da Lei de Imprensa, esquecido de que algumas de suas cláusulas eram indispensáveis para evitar o vácuo legal). O herdeiro de Chagas Freitas, ex-colunista especializado em pedir votos aos funcionários públicos, desinteressado como sempre, investiu imediatamente em defesa da aterrorizada mídia negando a existência de qualquer monopólio nos meios de comunicação. Qualé, seu Miro – já esteve em Santos? Sabe o que se passa na maioria das capitais do Norte-Nordeste? Já examinou a situação das nossas cidades médias onde a principal emissora de TV é também a principal acionista do maior diário? Conhece os regulamentos da Federal Communications Commission (FCC) americana que impedem a propriedade cruzada de veículos na mesma região? A síndrome do medo tem várias causas e várias terapias. Fármacos resolvem. O divã, porém, é mais eficaz.

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