A noite estava calma, com uma brisa leve que vez ou outra trazia o cheiro do mar. Ele parecia seguro de sua posição naquele emaranhado de pensamentos, que ela oferecia em desconcerto, em uma fina aflição do não saber... não saber o que estava, ela mesma, desenhando no universo com seu desejo.- Sim, você pode colapsar outras possibilidades, novas realidades - explicava ela na tentativa de convencê-lo da verdade que, no fundo, ela tanto temia. Sim, você pode decidir o que será. O que será? A intimidade com as perguntas não a protegia do medo das respostas. E ele, semblante suave, parecia saber e guardar o segredo, com um sorriso que indicava que a resposta estava bem ali. Mas ela não conseguia ver; precisava das bruxarias de um xamã para antes poder crer. Era um esforço inútil, debater-se buscando parâmetros antigos para enquadrar o novo. Então se deixou ficar, sem esforços para desenhar um si-mesma melhor do que na verdade era; para se transformar no que quer que fosse para ser recebida e amada. Estava cansada. Ao depor as armas e romper as amarras, ela simplesmente sorriu. Aí então começou a ver: ao universo não importa como você pensa que a felicidade é; ao universo basta apenas saber que você quer ser feliz. Ela começou a se mesclar à serenidade dele, aconchegando-se a uma intimidade que se foi desenhando no ar. Ao fundo, um som dizia "minha alma canta, vejo o Rio de Janeiro...". À frente, o mar; lá longe, a janela para um outro lugar. O pensamento serenou... já não era preciso se inventar. O botões que fechavam as cercas foram cedendo às mãos suaves e firmes que ele estendeu para conduzi-la. O calor da proximidade dos corpos formou uma fina aura de atração e desejo. Era impossível não se entregar. Como a anfitriã de um castelo, ela se curvou ligeiramente e fez as honras da casa, saudando a nobreza do visitante: pode entrar. As portas e janelas se dissolveram, deixando apenas um campo largo, imensa relva orvalhada de suor. Ele caminhou seguro, incluindo-a em si-mesmo, como quem chama: vem pro mar. Ela o seguiu sorrindo, mesclando o seu ser ao ser que ele era, corpos ardentes e espíritos apacentados. A pele perfumada de sedução adornou a cena com as cores vivas dos afagos, dos beijos e carícias em movimentos intensos, como os de um artista ávido para compor a tela. Ela estava cansada de portar a si mesma e se deixou reinventar. Ele a refez delicadamente aos poucos - pés, pernas, o ventre das energias criativas... se demorou ali, para que não faltassem detalhes. As mãos esculpiam o corpo novo, como quem alisa o barro que se transformará em jarro. E ele amava, embevecido, as partes que aos poucos iam surgindo, ganhando forma e vibrando - os quadris, os seios, o colo, o rosto, os cabelos. Quando a arte se completa, o artista percebe a verdadeira dimensão da separação e sofre - tenta resgatar a si mesmo, a sua parte, e trazê-la a todo custo de volta. E na sofreguidão do resgate, acaba ofertando mais de si, cada vez mais de si. Neste momento, o universo responde ao desejo de felicidade, plenitude e paz com um fugaz momento de comunhão.
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