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28 fevereiro 2015

Viagem...voragem

Alguma coisa acontece... sempre. E é bom que seja assim, para que nossos olhos não fiquem demasiadamente voltados a uma cena única. O mundo é cheio de ilusões, e às vezes temos o impulso de trocar todo um longo percurso já vencido por momentos parcos de descanso, aconchego, paixão, alegria, volúpia, prazer, gozo, sono, preguiça - catarses e aflições de espírito, que a permanência engendra e nos faz desejar, com toda a ênfase de quem merece o prêmio. Hora de voltar à estação e esperar o aviso do trem. Malas abertas, saltam velhas lembranças que lá foram esquecidas ao longo de tantas viagens. E todas cantam alguma música para distrair a memória; acalanto, canções de ninar.Vida louca, vida breve... Eu vou descendo por todas as ruas e vou tomar aquele velho navio...Um dia eu volto, quem sabe... O vento vai levando tudo embora... Mas a vida continua e se entregar é uma bobagem!
Olha só o que eu achei...

H.


10 janeiro 2015

O general, o poeta e o cantor...sobre (in)certezas

Ah! Esqueci do lead! Na postagem aí embaixo, eu pretendia dizer que ao tentarmos nos lançar ao que desejamos, ou quando decidimos tomar decisões para resolver questões fundamentais que sempre adiamos, é comum gelar de medo, insegurança, como crianças assustadas. E a situação fica pior ainda quando, depois de vencermos esta primeira etapa, temos que decidir o que fazer da vida! Já pensou em quantas vezes você desistiu no meio de um caminho que estava quase levando você até lá? Pois é. Aprendemos a desacreditar de nossas competências, embora tenham sido elas que nos trouxeram até aqui e nos fizeram sobreviver a todos os percalços efetivamente vividos. E isso às vezes resulta em depressão, em desânimo crônico. Uma espécie de "eu quero a minha mãe!!!", figura simbólica da proteção e amparo. Às vezes, apenas simbólica mesmo. Mas a nossa mente desamparada diante da decisão de assumir o comando quer voltar para o colo a qualquer preço, seja lá que colo for. E adiamos viver, voltando para um playground imaginário, onde alguém está cuidando de "tudo" - tudo o que você adiou, porque, se prestar bem atenção, você continua dando conta de estar no mundo, seja lá como for, porque viver é preciso, embora não seja exato. Que tal pegar estes instrumentos de navegação e planejar uma viagem para fora dos playgrounds onde andou se escondendo, hein?
Nossa, fiz lá embaixo um nariz de cera tão grande que esqueci do lide...rs. Mas agora que você já leu o lide, que tal dar uma passadinha no nariz de cera aí embaixo? Se não gostar do texto, tem Fernando Pessoa e Caetano Veloso para compensar. Vai lá!
Bom fim de semana, com o amor de sempre.

H.

30 novembro 2014

Acordei pensando...
Noves fora o filtro por onde enxergava a vida, a conta agora fecha. Isso mesmo: a conta está encerrada. Não ter moedas de troco talvez seja lucro - não devo tostão a ninguém. O que me devem, o tempo cobra, mas que a paga vá parar em outras mãos. Nadie puede escapar a la rendición de cuentas. Na vida, a dobra do tempo indica o novo ponto de partida. 

Sim, viver é uma sequência de possibilidades de começo, à disposição de uso quantas vezes vezes forem necessárias, até encontramos as coordenadas exatas -  como as ondas do mar. Parece papo de navegador... e é. Navegar é a metáfora predileta dos poetas para o exercício da vida: "navegar é preciso", diz Fernando Pessoa, "viver não é preciso". Vida é também um processo de reinterpretação, releituras. E aí está o nó de marinheiro: o problema básico do "re" é a incidência e insistência sobre o mesmo; sobre as bases por onde muitas vezes deixamos escorregar as infinitas possibilidades - dentre elas, às vezes, as nossas melhores chances, ou não! 

 A frase a que Fernando Pessoa emprestou fama foi originalmente dita por um general romano, 70 anos antes de Cristo.  Pompeu precisava enfrentar os riscos de singrar os mares, vencer piratas, rebeliões e guerras para cumprir o destino de Roma - tornar-se uma das mais importantes potências da Antiguidade, um império de dimensões gigantescas. Navegar, então, tinha prioridade sobre a vida. Mais do que levar o trigo para saciar a fome do povo romano, navegar se sobrepunha à vida para garantir o fluxo da história. Os escravos famintos e as ameaças de rebelião foram apenas uma... digamos... forma de organizar as prioridades daquele momento - navigare necesse; vivere non est necesse

Sem prioridades, as possibilidades tornam-se difusas e a vida navega sem bússola em alto mar. Nos versos de Pessoa, a localização do mar no íntimo do ser; no orgulho de ser; na ânsia de posteridade em favor de uma "humanidade" difusa - o sonho de um tripulante da nau de Pompeu, convencido de que a grandeza do sacrifício  garantiria a imortalidade na História. É... não deixa de ser uma priorização, não dos fatos, mas do desejo pessoal de imortalidade. Talvez a "pátria" dos grandes navegadores onde o poeta nasceu jamais tenha aspirado a ser uma grande nação no sentido do poder e da hegemonia entre os povos. Talvez tenha querido ser uma grande nação entre os homens. Vai saber...

Mas isso não vem ao caso, porque a viagem de que falamos é mesmo aquela de toda pessoa, assim como a de Pessoa. Então, voltando ao ponto:  navegar não é necessário; é compulsório - não é a viagem que traz a bússola, mas o ser que em geral adere à opção mais comum de se deixar guiar pelas estrelas... quando estrelas há. Não há certezas na vida e nem "precisão"! Se assim fosse, onde a soberania da vontade? O que há é a liberdade de se construir as caravelas, os mares - revoltos ou não! - e até mesmo a bússola que nos vai guiar. E o general? E o general que dá o comando para lançar as velas ao mar, ditando o rumo da história que ainda não viu, para completar o destino que jamais saberá? É disso que estamos falando: não precisamos de general, porque cada um é a história completa em si mesmo.

Viver é um ato de coragem e requer decisão para atravessar os territórios conhecidos e confortáveis onde a fome, as rebeliões e as guerras pessoais ameaçam destruir a grandeza natural do ser. Navegar é preciso, é exato, é necessário, é desejável; talvez por isso seja compulsório, o que nos faz pensar que há um "general" no comando, incitando-nos ao mar de nossas próprias possibilidades, nem que seja só para escapar da fome, das guerras e rebeliões - mas isso é de uma outra natureza. Onde então nossa coragem?! Navegar só é preciso, porque viver não é preciso, exato! Mas como queria Pessoa, o importante é criar, ao que esta Hanna atrevida acrescentaria: criar a vida que pretendemos, com a precisão dos mestres dos mares. Aí sim, poderemos falar de viver.

Amor de sempre, 
mesmo quando navegando por mares distantes, 
guiada (também) por estrelas.
H.




A letra de Os Argonautas é de Caetano Veloso. Neste vídeo, Caetano lê a carta de Caminha, descrevendo como via a nova terra, hoje Brasil. Abaixo, as letras das duas poesias. Só pra não faltar com a informação...rs.

Navegar é preciso
(Fernando Pessoa -1888/1935)

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso."
Quero para mim o espírito desta frase, transformada 
A forma para a casar com o que eu sou: 
Viver não é necessário; o que é necessário é criar. 
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. 
Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a minha alma a lenha desse fogo. 
Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha. 
Cada vez mais assim penso. 
Cada vez mais ponho na essência anímica do meu sangue o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir para a evolução da humanidade. 
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa raça.


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Os argonautas(Caetano Veloso - 1942/ainda navegando)
O Barco!
Meu coração não aguenta
Tanta tormenta, alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco, meu coração
O porto, não!...
Navegar é preciso
Viver não é preciso...(2x)
O Barco!
Noite no teu, tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte, madrugada
O riso, o arco da madrugada
O porto, nada!...
Navegar é preciso
Viver não é preciso (2x)
O Barco!
O automóvel brilhante
O trilho solto, o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue, o charco, barulho lento
O porto, silêncio!...
Navegar é preciso
Viver não é preciso...