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14 fevereiro 2010

A vida em blocos

Carnaval nunca foi minha predileção. Gosto de festa sem data marcada e fantasia fora de contexto, daquelas que a gente usa, sem perceber que  usamos e que apenas quem está de fora consegue ver... e rir. Se me fosse dado o direito de sinceramente escolher a fantasia real, me vestiria, pasmem, de palhaça! Não que eu tenha talento — vocação e talento são coisas diferentes. Ser palhaço depende de prática, treinamento, vivência, autoconhecimento. Palhaços sem talento somos todos nesta vida, quando nos levamos demais a sério; quando, apesar dos pesares, ainda insistimos e em ser felizes aos tropeções, passando aturdido sem ver o que é o essencial; atravessando o enredo de todo samba, amor — esta é a parte mais engraçada da arte-vida dos palhaços, já dizia Chaplin: a tentativa de se pôr novamente de pé e recuperar a dignidade, sem rasgar a fantasia. Palhaços por vocação, mesmo sem talento,  insistem em alegrar a quem quer que seja, e sofrem da dor que conseguem curar apenas nos outros.  Porque palhaços são espíritos nobres, fantasiados de seres humanos, mas incumbidos de uma missão delicadíssima e especial, o que não lhes  confere qualquer salvo conduto nesta vida. Palhaços são elite em uma humanidade tosca que não sabe amar e que não consegue se emocionar por nada que não seja si mesmo.  Palhaço é coisa séria. Eu amo sinceramente os palhaços — aqueles que riem de si mesmos; que sabem que seus escudos são pura fantasia; que fazem graça do que não se poderia rir; que resistem, apesar da vida.  E para quem não entendeu, insisto em meu sincero amor aos palhaços, categoria que exige, de quem a ela se canditada,  atributos como desprendimento, equilíbrio, sensibilidade, alegria, bondade, coragem altruísta, humildade e fé. Ser palhaço não é pra qualquer um. Não basta vestir a  fantasia, nem encaixar a carapuça...Ops! quer dizer... o chapéu.

Hanna, a aprendiz de palhaça.


EM TEMPO (do alto de meu nariz vermelho de aprendiz): Também são palhaças, por vocação, as pessoas que abrem mão da festa só para fazer companhia a quem precisa aprender quais são as coisas que nos fazem verdadeiramente sorrir. Por falta de talento, talvez - para certas coisas, não basta ter vocação - acabam trocando a graça  e a festa por uma ressaca sem precedentes. E aí não tem jeito....só morrendo de rir!!! Os palhaços podem até perder o rebolado, mas nunca abrem mão da graça que Deus lhes deu. 
Respeitável público, e com vocêêêêêêssssssssssss......
Hanna, a metida a saber de coisas que ninguém vê... 
....rsrs.....


Mas voltando aos inevitáveis blocos: comecei o carnaval muito antes, logo depois do  Natal e Ano Novo,  no Saco do Noel, um bloco pós-natalino e pré-carnavalesco, que se orgulha de ser o maior bloco de Vila Isabel. Conta a lenda que cerca de três mil pessoas defilam no tal do Saco. Fui lá conferir, conduzida por um de seus fundadores e diretor de alguma coisa que jamais consegui entender do que se tratava. Mas Hanna sempre leva tudo muito a sério. Chegando na concentração, tratou de deixar o diretor à vontade para cumprir sua missão. Enquanto isso... bloco para que te quero...rsrs. Já era sabido que o famoso Cacique de Ramos estaria honrando o Saco do Noel com sua marcante presença. Mas Hanna não imaginava o quão marcante esta presença seria. Tinha bandeirão, fogos e galera paramentada com traje guerreiro, bem no meio do Saco do Noel. Para os que não sabem, o Cacique de Ramos é um dos mais famosos blocos de carnaval do Rio, depois do Bola Preta, claro. Não sei muito sobre eles, mas tive o imaginário carnavalesco povoado desde infância pelas história de valentia dos Caciques.  Eram para mim verdadeiros guerreiros. E Hanna tem uma queda especial por esta categoria de seres humanos...rsrs. Pois bem: estava eu lá, toda acompanhada, quando vi a primeira manifestação dos Caciques, que traziam nas camisas a garantia de que eram realmente uma tribo, adornados pelos tradicionais cocares. Soltaram fogos, e o meu coração  disparou. De repente, uma imensa bandeira começa a tomar conta da pista, como em dia de Botafogo vitorioso no Maraca. Não resisti. Caí na folia do bloco convidado, com se tivesse nascido lá. Mas como vocês sabem, Hanna prima pela lealdade. Minha consciência logo apontou: você está no Saco do Noel, como convidada de um de seus oito fundadores! Pensava o que fazer para conter o enredo deste samba, amor, quando  voltei na passarela, disposta a  retornar ao que me levou a este carnaval extemporâneo e bom. Atravessei por baixo do bandeirão e dei de cara, do outro lado, com um corpo  quase feito à mão, fantasiado com aquelas roupas esquisitas do Saco de Noel. Vazei para fora da bandeira e qual não foi minha supresa: agarrado no pavilhão caciquence, aquela figura linda, simpática,  ainda mais depois que engordou uns quilinhos após o emagrecimento forçado pela prática do triatlon —Hanna sempre admirou a beleza da obra divina encarnada em gente. Ele sambava sorridente, agarrado àquela bandeira. Custei a entender o lance.
— Me desculpe, mas  não resisti. O Cacique... —  falei, gritando para me fazer ouvir no meio da batucada de uma bateria que aliás é nota 10! E antes que eu contasse como aquele bloco habitava meu imaginário, um sorriso largo e lindo se abriu feito lona de circo para me dizer  em meio aos volteios de carnaval:  —  Sem problemas! Eu também adoro o Cacique! Vamos desfilar nele? Eu arranjo as fantasias! — Tudo acertado. Pura alegria.  E saímos a esbanjar a felicidade que nos transborda, independentemente de qualquer coisa, de qualquer bloco, de qualquer das bobagens de Hanna.  Traição perdoada no ato do flagrante! 
Sábado de Bola Preta. Como a fama faz tudo ficar sem graça, né não? Mas a sorte recuperou o lance e fomos parar em Paquetá, num bloquinho humilde, mas bonzinho, com direito a muitos tchibuns... e cliques fantásticos.  Tudo de bom! O daqui a pouco a Deus pertence, como sempre! Humm... acho que vou fazer um tchibum de novo na cama... ainda é cedo, amor.... Prometo que não vou passar o carnaval no Sobretudo... Estava só dando umas acertadinhas...rsrs. 
H. 

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