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28 fevereiro 2010

Dois koans

(Mu- Vazio)

A SEDE

Correu por todo o Kinpur a notícia de que um iluminado hindu se encontrava em “estado de orgasmo” ininterruptamente há mais de duas semanas, num mosteiro zen próximo a Ayantavar, no sul da Índia. Benien era um jovem monge recém-admitido entre os andarilhos-pedintes — uma espécie de “ordem” tão rigorosa que era incapaz de aceitar até mesmo os mais famosos Mestres, justamente porque eram famosos e isto, segundo eles, constítua sério empecilho. Pois o jovem pediu permissão para uma viagem a Ayantavar, com o exclusivo propósito de conhecer o monge em gozo orgásmico há duas semanas seguidas.

– Seguirei anônimo e voltarei ainda mais anônimo – comunicou ao Mestre, acrescentando que, desse modo, provavelmente arrrancaria do iluminado monge o segredo de seu espantoso orgasmo.

– E para que aspiras a tamanho orgasmo, Benien? – perguntou-lhe o superior, com um rir de olhos que era pura malícia e ainda mais pura sabedoria.

– Ora, Mestre, e alguém por acaso não o desejaria?

– Benien, o sábio de Ayantavar, precisamente ele já não o deseja mais...

– Como assim? – perguntou o jovem.

– Há mais de três dias que o iluminado hindu faleceu para esta encarnação, Benien.

– Morreu? De quê?

– De sede, Benien. Ninguém fica duas semanas sem beber água...

O VÔO DOS POMBOS

Nos intervalos dos exercícios com o arco-e-flecha, o Mestre treina o discípulo num jogo mágico:

– Eis nova revoada de pombos. Fixe-os bem na memória e depois feche os olhos.

– Fixei, Mestre, e já estou com os olhos fechados! Quanto tempo devo permanecer assim?

Depois de esperar alguns minutos, apressa em pedir que o discípulo abra os olhos novamente.

– Agora, me diga, quantos pombos havia no céu?

– Quinze, Mestre! Se não erro, quinze!

– Estes são os teus quinze pombos porque os meus são trinta.

– E quem de nós está certo, Mestre?

– Certamente nenhum de nós. Cada qual contou os pombos que lhe interessavam...


Boa semana.

Hanna

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