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11 janeiro 2010

Bloco de hannotações //// Que merda é essa?

O programa Roda Viva de ontem entrevistou Gay Talese, um dos três ícones do chamado "novo jornalismo" — algo assim como um meio caminho entre o  "velho" jornalismo e a literatura de ficção. Talese se notabilizou por entrevistar pessoas comuns do cenário de suas pautas, invertendo o velho hábito de apurar os fatos pelo lado oficial. Não entrevistou Frank Sinatra, por exemplo, porque o astro não quis recebê-lo, mas fez sobre ele uma brilhante matéria, entrevistando gente comum que gravitava em torno da celebridade. Muitas de suas  "reportagens" não foram "compradas" pelos editores. Talese levava, às vezes, cerca de seis meses entre a apuração e a redação da matéria. Difícil imaginar um jornal esperando seis meses pela matéria de um repórter. E este é o ponto: um jornal pode ser consumido à maneira de fast food, mas não pode ser produzido à la McDonald. Tenho cá minhas desconfianças sobre o tal do "novo jornalismo", mas há uma coisa notável nele. E, diga-se de passagem,  é o que menos chama a atenção dos jornalistas nas inúmeras entrevistas sobre a "novidade" inaugurada na década de 1950 por Truman Capote: a fonte. A fonte principal do jornalismo praticado por Talese é o respeitável público. Para os coleguinhas das bandas de cá, o respeitável público é apenas personagem e serve para "humanizar" a matéria. É fácil entender o que reclamo, a partir de perguntas básicas que todo jornalista deveria se fazer, antes de seguir a pauta, feito músico.
Por exemplo:
1. O que vai acontecer com os ambulantes que tiravam seu pão minguado do sacrifício de carregar isopores pesados pelas areias nobres das praias da Zona Sul?
2. Seriam eles vagabundos ilegais na terra do dr. Paes?
3. Para onde vão e como vão se virar os moradores dos casebres derrubados das favelas do dr. Cabral?
4. Qual foi exatamente o milagre produzido pelas UPPs, que ninguém ainda esclareceu como não se fez isso antes?
5. Onde estão os corpos produzidos pelos tiroteios nas favelas?
6. Será que a única identificação do favelado morto é aquela que a PM dá como garantia de que era traficante?
5. Que Harry Potter é esse que fez sumir os traficantes como num passe de mágica?
6. Por que as manchetes agora falam apenas de mortos por balas perdidas do confronto entre apenas traficantes?
São perguntas básicas, que um jornalista não consegue responder chupando a realidade pelo Google. Tem que ir lá para ver. E mais: passar lá algum tempo para poder entender. Entender o que sentem aqueles que estão do lado mais fraco da corda. Somente assim encontrarão a abordagem adequada da pauta e poderão fazer grandes reportagens, sem precisar "botar na boca" dos entrevistados oficiais a confirmação daquilo que eles não apuraram.  A escola do bom jornalismo está dentro de cada um de seus jornalistas e não sai de moda. E como em qualquer escola, tem gente que  passa porque cola.  Não, meus coleguinhas, não estou falando mal de vocês. Muito pelo contrário: eu acredito mesmo nessa história de paladinos do bem-comum e defesa da humanidade, que vocês  fazem  a  sociedade crer. E já que vocês garantem que é para isso que serve,  eu não desisto de acreditar que um bom jornalismo seja capaz de contribuir para a mudança social, tendo a dignidade humana como protagonista da história. E é só por isso que me emputeço — esta palavra, adequada à situação, está sendo usada em homenagem à Martha Medeiros, que faz merda em revista de grande circulação, mas acha que o mundo deve se educar à sua moda, a começar por não dizer palavrão. Dona Marta é nome de um morro, de uma favela, onde dona Martha Medeiros poderia exercitar a compreensão de um mundo que não tem a sua mesma sorte. Aí, quem sabe então, poderá usar aquela frase charmosa: "eu sou jornalista". Dizer "merda" na mídia, como fez o autêntico presidente deste país, não é a mesma coisa que dizer merda em veículo de grande circulação, dona Martha. É uma pena que o jornalismo  de epifania, encantado pelo "choque de ordem", não tem tempo de se apurar a si mesmo. O prejuízo  para a sociedade tem dimensões tsunâmicas, embora não se possa ver. A violência simbólica dói mais que qualquer porrada.  E com licença poética de um querido amigo blogueiro...
"É! Está dito!"

E não deixem de acompanhar BLOCO DE HANNOTAÇÕES... esta nova seção do Sobretudo, que de "qualquer coisa" só tem mesmo o nome.
E como de sempre, porque isso nunca vai perder a validade...
Amor.
Hanna


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