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21 novembro 2009

Pensamentos graves, sentimentos agudos

"O mundo está ao contrário e ninguém reparou (Nando Reis)."

Pensem comigo (copyright Pelizzari): para que nos tornamos doutores se não for para oferecer à sociedade e, nos casos mais... digamos... graves, ao mundo aquilo que descobrimos ou aprendemos ou inventamos ou sinceramente acreditamos estar correto a partir de nossos esforços de aprendizagem? Não viemos ao mundo, os doutores, para sermos professores mau pagos (na quase totalidade dos casos) e nem altamente remunerados (casos raríssimos). Ou apenas para alimentar a poeira e as traças das bibliotecas das universidades, com o nosso ego obeso, inflado pelas calorias suspeitíssimas dos currículos Lattes. De que serve à sociedade que nos bancou nas universidades públicas ficar expondo — às vezes mal e porcamente — o esforço da tese que defendemos um dia e pela qual muitas vezes nem o próprio autor se interessa verdadeiramente? Enquanto estamos achatando nossos bumbuns em conferências e simpósios de exibicionismos e chateando a plateia com o nosso próprio desejo de fama, os professores das séries iniciais estão lutando Deus sabe como para sobreviver e dar o que podem àqueles que ainda são como uma tábua quase rasa. Pois chegamos ao ponto: o homem em formação; a sociedade em gestação. É isso, meus doutos amigos. E se precisarem de confirmação teórica para acreditar, leiam Jung! É lá, nas primeiras séries, que começamos a moldar os homens de amanhã e a sociedade que vai ser o resultado disso. E, novamente com a licença do querido e fofo professor Pelizzari, "eu lembro como se fosse hoje": os meus professores das primeiras letras eram os deuses da minha existência e de todos os meus amiguinhos e amiguinhas. Como nós os amávamos; como os achávamos lindos; como queríamos ser iguais a eles quando crescêssemos; como adorávamos quando nos passavam a mão nas cabeças carinhosamente. Tudo o que eles nos diziam eram como palavras dos anjos. Tá... menos. Eu sei que sou geminiana. Mas valho-me do consagrado Jung para dizer que é o que verdadeiramente "somos", tanto professores, quanto pais, que vai ditar o principal da formação deste ser adulto de amanhã — algo em torno de 80% da personalidade adulta, segundo Jung. Percebem agora? A coisa está ao contrário e ninguém reparou! Os doutores que agora já sabem uma porrada de coisas sobre como gira a roda do mundo e da vida é que deveriam estar cuidando da formação dos homens do futuro; da sociedade que eles descobriram como tornar melhor. Concordam comigo? Não, eu sei que não. Porque, afinal, não ensinam aos doutores a principal parte da lição: é o amor que faz com que as coisas funcionem adequadamente para todos e não a vaidade egocêntrica. A isso se costuma chamar de "comprometimento". Quem são os professores das primeiras letras? Qual a formação que lhes deram? No que acreditam? Como agem na sociedade? Quais são os seus valores? Qual o compromisso deles com a sociedade e o futuro? O que sabem sobre a desigualdade social? Como pensam que é possível resolvê-la? Se interessam por isso? Conhecem os dilemas dos seus alunos do ponto de vista amplo das ideologias excludentes? Ou são apenas seres amoráveis que se viram como podem para dar conta da própria sobrevivência, da rotina do trabalho e do afeto pelos pequenos? São muitas as perguntas e sei que são muito poucas as respostas em termos de formação. Entendem agora o que quero dizer? Enquanto isso, o que estamos fazendo, nós os doutores? Alguém leu o que escrevemos? Pegamos o "pergaminho" da tese defendida depois de cinco longos anos e o levamos para a vida real? Aplicamos com humildade aquele cadinho que achamos que pode ajudar a sociedade a crescer melhor? Sim, porque é para isso que serve. Senão, não serve para nada. Fica sendo apenas a vaidade randômica dando voltas sobre si mesma feito bandeja de aprelhos de dvd.
Corta!



Cena II

Alguém aí sabe por que ontem  (20/11) foi feriado? Sim, claro, todos sabem. Afinal, todos assistem o RJ  TV, se estão no Rio, e o Jornal Nacional, no Brasil e no Mundo. Mas as crianças não gostam de ver telejornal. Elas preferem brincar. E estão certas! Coisas sérias elas acham que aprendem na escola. E também estão certas, para o bem e para o mal. Pois bem (este  "pois bem" é meu mesmo, viu Pelizzari):  ontem, dia de sol forte, praia lotadaça, fui dar uma refrescada e resolvi fazer uma pesquisa aleatória do Posto 6 ao Leme. Conto em cenas para vocês:
Cena 1: em uma rápida visada, via-se que pelo menos 70% da população da praia eram negros. O restante tentava pegar uma cor...rsrs.
Cena 2: crianças brincam em bandos, já repararam? Mesmo quando estão sozinhas, logo arranjam amiguinhos. O que facilitou a minha tarefa, ampliando muito facilmente o universo pesquisado.
Cena 3: primeiro grupo de crianças negras: "vocês sabem por que hoje é feriado?". Respostas: "...porque não tem aula"; "porque está chegando o Natal"; "porque é aniversário da tia (professora!)"; "porque tem alguém famoso que morreu...". Perguntei: "Uau!Quem?". Resposta: "não sei...".
Cena 4, 5, 6, 7, 8... As cenas se repetiram do posto 6 ao Leme, compondo um universo pesquisado em torno de umas 150 pessoinhas. As crianças, todas negras, que tinham entre 5 e 10 anos, mais ou menos, não sabiam por que era feriado. E isso, levando-se em consideração que a disciplina sobre africanidade tornou-se obrigatória no ensino fundamental. Uma menina de uns 12 anos disse que era feriado de Zumbi. Perguntei quem era Zumbi e ela não soube responder. Uma outra  menina de uns 9 anos disse, surpresa: "Ah, minha avó me disse isso, mas eu não entendi muito bem."
Cena final: enquanto escrevia este texto, meu coelho Otelo, que um dia vou apresentar a vocês, divertia-se perto de mim, bisbilhotando tudo.  De repente, aquele barulho conhecido de estou-roendo-algo-que-você-não-vai-gostar. Fui ver. Ele simplesmente devorou a lombada do livro O Tao da Física, de Fritjof Capra. Fiquei supresa pela preferência dele entre tantas outras possibilidades...rsrs. Saquei-o rapidamente para salvar o que restava do livro e o acarinhei no colo. Aí perdi o fio da meada do que estava escrevendo.
Resumo da ópera: Otelo e demais doutores, não é devorando livros que se vai aprender sobre a vida e como torná-la melhor. É preciso vivê-la, dialogar com ela, pensar, comprometer-se, preparar-se, doutorar-se sim! Mas não pensar que com isso conquistaremos um lugar no Olimpo. O caminho é para o outro lado! E ao contrário do que acontece, as primeiras séries da vida das crianças é a chave para se cuidar do futuro e da sociedade e resolver seus dilemas históricos. E para estar lá se deveria exigir o máximo da formação de um professor. É para lá que deveriam ir os doutores. O resto é conversa fiada.
Joseti Marques
(Com a total conivência e beijos de Hanna para vocês)
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Oteeeelo!!!!!
Não! Esse não!!!!!!!




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