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22 novembro 2009

Divagações


Há coisas que acho que nem Freud conseguiu explicar, pelo menos convincentemente. Por exemplo, como determinadas coisas insistem em nos habitar a mente, a alma, sem que haja para isso qualquer indício de plausibilidade. Mas ficam, como uma espécie de sintoma de virose que custa a passar. E aí, nem a realidade mais promissora, amável, disponível e atraente parece suficiente. Acho que é quando seis e meia dúzia não são mais a mesma coisa. E vocês sabem que pensamento puxa pensamento, memórias, lembranças, compondo histórias às quais nem mesmo prestamos atenção, como se lêssemos um livro por páginas saltadas. Somente algumas imagens nos parecem nítidas. Foi aí que lembrei de um conto — lembrei apenas da idéia central, que conto aqui pra vocês, em texto editado à moda de Hanna. A história é velha, certamente. Mas o texto é inédito e originalmente meu, com os pedidos de desculpas se não ficar tão bom quanto o verdadeiro autor contaria. Pois bem:
Era uma vez um jovem homem que acreditava no amor eterno e único. Ele se apaixonou por uma jovem linda e descrente de que algo nesta vida pudesse durar para sempre. Muito menos o amor, sentimento tão ambíguo, inexplicável, frágil. Mas o jovem insistia que o amor que sentia por ela ia durar para sempre, resistindo a todas as intempéries e ao tempo. Então a jovem disse a ele que se realmente o amor que dizia sentir por ela era assim infinito, que o pusesse à prova e aguardasse diante da janela dela até que se sentisse convencida disso. Neste momento do convencimento, se houvesse, ela acreditava que também estaria apaixonda por ele. O jovem aceitou a prova e se pôs diante da casa alta onde a jovem morava. O tempo começou a passar, trazendo consigo os seus humores e alegrias. O jovem apaixonado viu nascer as flores de todas as árvores e seu coração se encheu de esperança, acreditando que aquela estação traria sua amada até a janela para confirmar seu amor. Viu o sol arder em seu mais alto fulgor e acreditou que a energia de tão majestoso astro traria sua amada à luz de seus próprios olhos. As folhas cairam e o coração do jovem estristeceu, ansiando pela imagem da janela se abrindo. Chegou mesmo a pensar, em alguns momentos, que o seu desejo seria capaz de mover as frestas e trazer-lhe a amada à sacada. Foi o momento mais difícil, onde os sonhos se confundiam com a realidade, fazendo-o delirar. Mas as folhas caídas não se recuperam mais. Depois delas, a sabedoria do tempo provoca tempestades, frio e neve, preparando as folhas novas que vêm depois. Os seres humanos nunca conseguiram entender este tempo, achando-o de todos o mais difícil de suportar. Nunca conseguiram ver que é um tempo necessário à sequência natural da existência. O jovem resistia diante da janela da mulher de sua vida, sofrendo a pior das agruras do tempo invernoso da solidão — as agruras do refletir e ser instado pela fraqueza e pela realidade; ser fustigado pela descrença e pela possibilidade, pela desconfiança de que poderia mesmo estar enganado e de que o amor era apenas uma coisa tola. Sofreu o jovem apaixonado o rigor do frio, da neve e da chuva que fustigava sua vontade, seu desejo, sua fé. Já não tinha forças para ficar ali esperando que a janela se abrisse, inaugurando uma vida de venturas e eterna primavera. Espasmos de memória o faziam retomar a força do amor prometido como eterno; resitia. Do outro lado da janela, a jovem espreitava pelas frestas a dor do jovem apaixonado. Viu-o sorrir ao sol e enfeitar-se na primavera; admirou sua tristeza quando o outono chegou e a tudo tingiu com as cores mornas da desilusão. E agora, seu coração se enternecia ao ver que o doloroso inverno fustigava os olhos, os cabelos, o corpo do jovem que na primavera parecia esbelto e alto, mas agora se contorcia e curvava para vencer o frio. Passaram-se se dias e dias de tenebroso inverno. O coração da jovem também sofria as agruras do tempo invernoso da solidão —  as agruras do refletir e ser instada pela fraqueza e pela realidade; ser fustigada pela descrença e pela possibilidade, pela desconfiança de que poderia mesmo estar enganada e de que o amor era mesmo uma coisa bela. Certa manhã, quando uma pequena nesga de sol parecia querer furar as nuvens e derreter o gelo, ambos despertaram como que sacudidos por um tremor: ela correu à janela, disposta a abrir seu coração, sua vida, seu futuro e suas esperanças para aquele que resisitu a tudo por seu amor. Ao mesmo tempo, o jovem despertou com suas roupas encharcadas de inverno e decidiu ir embora, convencido de que o amor extremo é como nada se não encontra a justa correspondência. Levantou-se e partiu. Não viu que a janela se abriu. E o que ela pode ver quando apressada destrancou seu coração foram apenas pegadas na neve, que aos poucos o raio de sol apagou.
FIM.
H.

Um comentário:

Anônimo disse...

linda historia...
bju e otimo fds!
Marcia