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04 outubro 2009

Durona ou romântica — quem vai vencer?


Na edição deste domingo do jornal O Globo, o jornalista Jorge Bastos Moreno entrevista a "mulher mais poderosa do governo", conforme diz o subtítulo da matéria, onde a ministra Dilma Rousseff, candidata às eleições presidenciais de 2010 pelo Partido dos Trabalhadores, é definida como "durona que se revela romântica". O estilo do jornalista é mesmo um tanto descontraído, o que justifica o nível das perguntas, de caráter tão pessoal. No lead de abertura, o entrevistador revela que a proximidade com Dilma se dá por duas vertentes — por ela ter sido fonte dele, ou seja, alguém que lhe dá informações relevantes para compor reportagens ou notas, no caso da coluna que ele assina no mesmo jornal; e por serem ambos "sobreviventes" do câncer que coincidentemente foi diagnosticado para os dois na mesma data. Até aí, nada de extraordinário. Jornalistas e homens públicos, pela convivência constante, sempre tiveram uma certa intimidade (excetuem-se os casos graves!) e o estilo do jornalista é mesmo assim. O que realmente me intriga é o fato de a "conversa entre amigos" ser o foco da entrevista. O que terá acontecido? Pesquisas indicaram que a ministra precisa ser "humanizada"? Ou pesquisas mostraram que a ministra precisa ser "detonada"? As duas hipóteses são plenamente prováveis. No primeiro caso, o jornal estaria apoiando o candidata; no segundo, estaria contra. Mas, se por hipótese, não for nem uma coisa e nem outra? Esta é a questão: o que a pesquisa vai indicar depois dessa entrevista onde a ministra se mostra uma mulher das mais comuns, que adora novelas, em resumo? Certamente já houve uma sondagem antes mesmo de o jornal de domingo chegar às bancas, no sábado (triste constatação, sobre o jornal). Mas enquanto não se divulgam novas aferições da aceitação da candidata durona que agora é ro-mân-ti-ca, vamos especular, com base em dados da realidade corrente e comum a todos nós, comuns mortais, românticos ou não. Sabemos que a maioria do eleitores brasileiros é composta por mulheres. Nas eleições de 2008, as mulheres representavam 51.73% do eleitorado. No entanto, a representatividade feminina no cenário público e político é insignificante. Naquela eleição, por exemplo, menos de 10% dos cargos de prefeito e menos de 13% dos cargos de vereador foram ocupados por mulheres. Poucas se candidataram e menos ainda se elegeram. No ambiente político, assim como em diversas esferas de toda ordem no mundo, a presença masculina é hegemônica. Então, volto à questão que me apoquenta os neurônios: como o eleitorado — mulheres e homens — verão a declaração da ministra  de que a-do-ra novelas? Digo homens e mulheres, porque mesmo sendo a parte mais fraca da representação no universo da autonomia e direitos, as mulheres, em geral,  assumem as posturas ideológicas masculinas: "ver novelas é coisa de mulher", e coisa depreciativa, notem bem. Quem  já não ouviu a célebre afirmação de que "mulher trata suas questões pessoais e afetivas como personagem de novela mexicana"? Quem já não ouviu isso da boca de uma mulher?! E as mulheres assumem suas posições de desprestígio, admitindo-se ineptas, inadequadas, burras, fracas, dependentes, incapazes de fazer coisas importantes. Contentam-se, na maioria dos casos, com o não menos célebre adágio de que "por trás de um grande homem existe sempre uma grande mulher". Atrás, sempre... São aspectos discursivos; a  materialidade da ideologia dominante. E as mulheres que se posicionam à frente, como é o caso da ministra candidata (e agora mulher romântica), são taxadas de "duronas" (isso na melhor das hipóteses). As "duronas" são aquelas das quais os homens se afastam ou tratam como "iguais", ou seja, como homens. Estas estão condenadas à solidão. E como se já não fosse pouco, ainda  depõe ocntra nós a imagem da ex-poderosa ex-ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Melo (toc-toc), que se rendeu à sua condição (fraca) de mulher e jogou por terra todo o poder pelo amor de um homem. Lembram do Bernardo Cabral? Do tango? São os riscos da ideologia. Agora, cá entre nós: os homens têm um certo... PAVOR de mulheres bem resolvidas, principalmente do ponto de vista profissional, né não? E o jornalista  não fez por menos e tascou lá: "A senhora diz que não tem namorado. Convive bem com sua solidão?".  Todo discurso traz em seu implícito a face da ideologia que o instaurou; então vejamos:
1.A senhora diz que não tem namorado: quando jornalista usa "diz que", quer instaurar a dúvida. Ora, se ela disse que não tem, porque precisa atribuir a ela a afirmação, ao invés de afirmar? Será que toda mulher tem que ter o clássico "namorado"? O que, aliás, não tem nada a ver com relacionar-se ou não com o sexo oposto.
2. Namorado = antídoto contra a solidão.
3.Convive bem com a solidão?: não ter namorado é sinônimo de solidão. A falar sobre a ausência de namorado e relacionar isso com solidão, o pressuposto é de que a ausência de um homem leva inevitavelmente à solidão e que, portanto, uma mulher sozinha sofre (de solidão), o que é naturalmente indesejável e se deve "lutar contra". 
4. Convive bem: a expressão indica, como sua contraface, a crença na dificuldade de se viver sem um namorado, como se isso indicasse a falta... da metade. As mulheres aprenderam que são metades, incompletas e que precisam de um homem que as complete. O problema é que a maioria acredita mesmo nisso... que são apenas metade. Também deve ser difícil para os homens se verem caçados como parte complementar; aquilo que vai "colar" para que a mulher fique inteira.  A única diferença é que não foram adestrados ideologicamente para se sentirem apenas parte.Talvez esteja aí o xis da histórica questão.
A provocação é suficiente para demonstrar o funcionamento ideológico implícito nos discursos — e o discurso das reportagens e entrevistas, por sua dimensão e alcance, podem  oferecer mais riscos sociais (e eleitorais, quem sabe?). Será que uma mulher durona ou que se emociona com novelas tem chances de ser presidente deste país que pensa em mulheres desta forma? Seria bom para a autoestima das mulheres. que Dilma Rousseff se elegesse. E quem sabe poderia ser uma solução para os dilemas humanos do  país. O que as mulheres não percebem é que, na adversidade de suas posições, aprenderam a tirar leite de pedras,  e um monte de outras coisas mais, que as adestraram para a sobrevivência. Dilma, na presidência, nem precisa ser um Lula; basta ser apenas o que é — uma mulher, e já será melhor por isso.
Com todo o afeto de Hanna aos adoráveis e maravilhosos homens — mas apenas a estes!

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