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07 abril 2009


Queridos e parcos leitores,
Peço licença para abusar da sempre aconchegante companhia com que distinguem esta malfadada pretensão de escritora. Não tenho tentativas de texto ou poesia sem rima para lhes apresentar, mas peço um minuto da sua atenção, se não for atrapalhar o seu silêncio e a sua viagem - tal e qual fazem os ambulantes que vendem "mercadoria de primeira" nos ônibus da cidade.
Desta vez não trago mercadoria, daquelas que recolho pelos caminhos das minhas vidas-viagens. É só uma conversinha rápida, sobre alguma coisa que já há tempos me ocorre, feito uma lembrança que esqueceu de se apagar. Era um documentário da CBS que eu editava para um programa de TV naquela minha encarnação de jornalista. Já nem lembro se foi ao ar, de tão dramático que era. Houve um tempo na TV brasileira, acreditem os mais jovens, onde se considerava o sofrimento e a dor como algo a se resguardar e tratar com outros remédios que não o espetáculo e o exibicionismo. Pois bem: eram pessoas com as mais graves deformações que davam depoimentos sobre como conseguiam viver em mundo que exige o máximo da perfeição estética e vende toneladas de produtos para que os menos dotados se disfarcem e sigam na disputa pela aceitação. Dentre os personagens, havia um menino de 9 anos - este que nunca mais me saiu da memória e agora apresento a vocês. Ele nasceu com uma deformidade que afetava não apenas a parte externa de seu corpo, mas também a estrutura óssea, tornando quase impossível amenizar seu sofrimento através de cirurgias. Ele parecia um peixe. Isso mesmo! Imaginem o formato de um peixe: cabeça e rosto compridos; orelha como guelras; não havia nariz... e os braços pareciam pequenas barbatanas. E ele, coitadinho, não sabia que era assim. Fora protegido dos espelhos por longo tempo na vida. Na primeira infância, causar espanto para ele era como brincar de esconde-esconde... e ele até sorria com o que mal parecia ser uma boca. Á medida que foi crescendo e tomando contato com a ideologia da beleza no mundo, começou a ver que não era igual e quis se ver. Neste momento, o choro interrompeu a narrativa daquela voz que mal se conseguia entender... e a edição original da matéria deixou que o choro se prolongasse, emocionando a todos que reeditávamos aquele VT. Choramos copiosamente quando o menino retomou a fala e declarou como última frase da reportagem: "But I'm cool... I'm lovely, like everybody... I'm beautiful inside..."- Eu sou legal... sou amável como todo mundo... sou bonito por dentro...
Agora lembro que a matéria acabou não indo ao ar. Era muito constrangedora para um mundo que cada vez mais julga a si mesmo pelas aparências. Não era aconselhável incomodar o domingo das famílias perfeitas com a dor de uma aberração. Não me lembro se reclamei, se lutei pela matéria, reclamona que sou. Mas isso agora não importa. O garoto certamente nem existe mais. O destino cruel o agraciou com um perspectiva curta de vida. Não chegaria aos dezoito. Mas eu nunca mais esqueci... e nem sei porque agora tenho me lembrado tanto disso.
Algum motivo deve ter, para quem não acredita em acaso. Mas como meu sexto sentido anda em baixa, arrisco apenas uma interpretação banal: as aparências enganam, para o bem e para o mal. Hummmm...frase feita, pobre, sem qualquer efeito prático, mera bundice de quem precisa correr porque já está perdendo a hora.
Com muito, muito amor aos meus amigos lindos e perfeitos, sejam eles como forem.
Inté!
Hanna Banana.

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