
Talvez fosse a influência da chegada do Natal, ou do final do ano que é sempre desprezado em função de um novo que promete trazer o futuro. O muro alto que se começa a construir em dezembro põe do lado de lá tudo o que já passou - vala comum dos arrependimentos que engole até o que não se devia deixar de lembrar - como se a vida não fosse uma sequência de coisas que passam. E assim ela estava lá, olhar perdido sobre a paisagem, tentado convencer a si mesma daquilo que vive fazendo os ourtos acreditarem que não. Não era mesmo da natureza dela, mas esforçava-se para se adaptar. Talvez fizesse isso na perspectiva de ter um ano novo melhor, como todo mundo, como se o ano velho não tivesse sido suficientemente bom. Meninas boazinhas ganham mais presentes no Natal... será? Ou estaria apenas perdendo a coragem e se curvando à lógica de querer sempre mais, mesmo ao custo de si mesma? Eram essas dúvidas que vinham de mansinho e derrubavam os tijolos que ela diligentemente tentava organizar em um muro alto de convicção. De repente, em um daqueles privilégios que somente ela era capaz de ver, um beija-flor chega apressado, esvoaçando, ligeiro, passando pela copa das mangueiras imensas e deixando tudo cheio de luz. Era noite já e o beija-flor surgiu, mesmo assim o beija-flor surgiu. Quem, nesse mundo feito de paus e pedras, poderia ter olhos de ver? Um beija-flor na noite calma de um lugar distante. Um pássaro lindo, espalhando luz por todo o espaço, repetindo com o movimento rápido das asas — não esqueça... não desista... não desista... não esqueça...você encanta!!! E todas as árvores se foram iluminando, crescendo por entre a pretensão de se fazer a vida com tijolos prontos, de se fazer do passado entulho e escombro para construir por cima um futuro incerto. Naquele momento ela entendeu, como quem lê a mensagem de um pergaminho que o vento desenrola, que cada dia tem sua própria graça e beleza; cada atitude tem seu valor perfeito — cada riso, cada brincadeira, cada beijo, cada romance de faz de contas, cada alegria escondida nas pregas das saias da inconsequência. Não, beija-flor... ela jamais vai desisitir... ela jamais vai esquecer. Nasceu no meio de uma floresta imaginária e aprendeu com elfos e duendes que amar é como um rio largo, de correnteza forte, que rasga a terra e faz seu norte... e simplesmente vai. E assim a noite amanheceu de mansinho, com cada coisa em seu lugar — inclusive ela, que acordou e continuou a sonhar. A vida é puro encantamento.
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