
Era tarde de inverno, mas não fazia frio como nos dias de antes de hoje. Segui pelas ruas de Ipanema cumprindo deveres, fazendo da última sessão de análise uma espécie de plataforma de salto e vôo. Sentia fome, porque o tempo parecia escasso para cumprir tantas obrigações. Parei em uma lanchonete na esquina da Barão da Torre com Vinícius (de Moraes), onde toda poesia aflora. Fiquei ali sozinha, em uma mesa onde qualquer um pode aportar. Não era de restaurante onde mulheres sozinhas poderiam se sentar com uma taxa menor de preconceito. Sentei e fiquei ali, tomando um chope na tarde morna e serena. Deixei-me ficar — abri os sentidos e me deixei sentir, sem querer saber. Era cio de um Rio que perde a mulher que o ama sem que jamais a tenha verdadeiramente amado. Os amores padecem dessas provocações: se perdem em tentação quando vêem esvairem-se seus amores eternos e jamais correspondidos, mesmo que nunca a eles tenha dado atenção. Injustiça cometo ao comparar esse Rio a amores quaisquer. O Rio me amou além da conta ao se me oferecer em paisagem. E agora que vou embora, sinto no ar esse assédio de puro cio — perfumes antes inacessíveis, cores antes empalidecidas pelo descaso do olhar, gentes que passam pelas calçadas portando suas estranhezas, um calor úmido que vem do mar. Ah, meu Rio, por que não te amei mais e antes? Por que não te devorei qual Caetano a Leonardo de Caprio, segundo canta Djavan? Por que nunca levei adiante a vontade de te tocar em um instrumento? E eu agora dessa lanchonete casual descubro que o que tens de melhor são tuas esquinas. Mas quem haveria de querer? Entram velhinhas perfumadas, borracheiros, jovens ligeiros, gente que quer apenas comprar pão, garotas que querem sorvete e riem na expectativa do encontro de amor. Eu estou aqui.. pensando que mal te amei como deveria, como merecerias, como eu queria. Meu Rio. Agora banho-me nas águas da tua saudade; inspiro fundo o teu hálito para reter-te em mim; olho com avidez teus espaços, teus buracos, teus vãos. Olho como quem pede e implora o gozo último de uma paixão displicente, decente, descontente, inocente, de quem não sabe ainda o que é o amor.
Rio de Janeiro, como gosto de você.
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